De brabo a professor, Laíla volta à avenida em homenagem da Beija-Flor



Chegada à Beija-Flor
A ida de Laíla para o carnaval de 1976, da Beija-Flor, foi um pedido do carnavalesco Joãosinho Trinta. Os dois já faziam parceria no Salgueiro, onde conquistaram os títulos, nos dois anos anteriores. Logo na chegada, a dupla ganhou mais um título com o enredo: Sonhar com rei dá leão, relacionado ao jogo do bicho, que homenageava o contraventor Natal da Portela, que tinha morrido em 1975.
Notícias relacionadas:
- Beija-flor conquista o 15º título do carnaval do Rio de Janeiro.
- Beija-Flor vai homenagear Laíla, mestre dos carnavais.
- No Rio, desfile das campeãs começa com show inédito.
>>Beija-flor conquista 15º título e é campeã do carnaval carioca
Alegoria polêmica
Também neste sábado o público vai ver um carro alegórico que faz referência a um dos enredos mais polêmicos da escola que teve a dupla à frente do seu desenvolvimento e resultou em mais um campeonato. Em 1989, Ratos e Urubus, Larguem minha fantasia, levou para a avenida um Cristo Mendigo coberto por plástico preto com a frase “Mesmo proibido, olhai por nós”, era uma resposta da escola a uma decisão da Justiça, após o questionamento da igreja católica contra a alegoria do Cristo. A solução da escola foi cobri-la. Até hoje não se sabe se a autoria da alegoria é de Joãosinho Trinta, carnavalesco da escola na época, ou de Laíla que era diretor de carnaval. Agora em 2025, o Cristo voltou à Sapucaí, mais uma vez coberto, mas a frase “Do Orum [céu], olhai por nós”, um clamor para que mesmo da espiritualidade Laíla protegesse a escola.
História
O menino Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, nasceu no dia 27 de maio de 1943, em uma família pobre, no Morro do Salgueiro, na Tijuca, bairro da zona norte do Rio. De formação autodidata, foi lá que deu os primeiros passos que o levaram para uma escola de samba: criou uma escola mirim na comunidade (Unidos da Ladeira) e, nessa caminhada, chegou ao Salgueiro, onde, na harmonia, iniciou a sua história no mundo das escolas de samba.
Conforme o Guia dos Julgadores produzido pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), o quesito harmonia “é o entrosamento entre o ritmo e o canto. É, ainda, o Resultado da forma como os componentes de uma Escola desfilam cantando o Samba Enredo, demonstrando e considerando se há um perfeito entrosamento, consciência, domínio, audição e interpretação deles, em relação ao canto e ritmo do Samba Enredo junto ao intérprete principal. O quesito ‘Harmonia’ avalia o resultado sonoro conjunto executado pelos componentes musicais do desfile: a integração do canto, com os instrumentos e com a bateria”.
A homenagem significou também uma espécie de retorno de Laíla à Beija-Flor. A União da Ilha foi a última escola que ele esteve à frente do carnaval. Isso ocorreu, em 2020, ano em que a agremiação da Ilha do Governador, na zona norte do Rio, caiu para a Série Ouro. A saída da escola de Nilópolis aconteceu após Laíla questionar o seu papel nas decisões da comissão de carnaval da Beija-Flor.
Imprescindível
Para o historiador e escritor, Luiz Antônio Simas, Laíla foi um personagem imprescindível para aquilo que atualmente se entende como desfile de escola de samba contemporâneo. Simas lembrou que além de ser cria do Salgueiro, ter passado pela Beija-Flor, onde fez trajetória marcante, Laíla também desempenhou papel importante na Unidos da Tijuca e na Grande Rio.
“Enfim, um personagem fundamental e o que se destaca a meu ver no Laila é o fato de ter sido completo. Laila era um sujeito completo com profundo conhecimento da musicalidade das escolas de samba, pouca gente sabe, mas era um intérprete muito interessante, gravou sambas do Salgueiro. Laíla tinha uma concepção do que seria uma harmonia de escola de samba, a junção entre o canto e a dança dos componentes que era muito sofisticada.”, disse à Agência Brasil.
Simas ressaltou ainda que Laíla tinha ideias muito interessantes sobre a formação de uma escola de samba na pista; “Onde colocar uma ala das baianas; o melhor lugar para colocar o casal de mestre-sala e porta-bandeira. Acertou muito, cometeu lá os seus equívocos também, o que é normal, é assim que se aprende, mas é uma figura imprescindível por este talento múltiplo”.
O historiador destacou ainda olhar de Laíla para a totalidade da escola de samba durante o desfile. “Tem o carnavalesco, que é muito bom em aspectos visuais, o compositor que entende muito de samba enredo. O Laíla tinha uma visão mais completa sobre o que é uma escola de samba. Talvez tenha sido a figura que melhor compreendeu os desfiles integrando os aspectos visuais, os aspectos coreográficos e os aspectos sonoros”, destacou.
“Como um desfile de escola de samba é um conjunto de múltiplas performances artísticas, eu posso dizer que o Laíla era um sujeito que tinha trânsito por todas essas performances, portanto é uma das figuras imprescindíveis na história das escolas de samba do Rio de Janeiro”, concluiu.
Pai
Luiz Cláudio da Silva Ribeiro, filho de Laíla, faz distinção entre o pai e o personagem da cultura das escolas de samba. Disse que cresceu ao lado de Luiz Fernando Ribeiro do Carmo e, para ele, Laíla é uma personalidade que o mundo do carnaval foi adquirindo com o tempo.
“Ambos são pessoas muito boas. Como pai sempre procurou me dar o melhor possível dentro das possibilidades. Desde a infância era uma pessoa que trabalhava muito. Nas suas correrias muitas vezes não tinha tempo para muita coisa, mas sempre procurando educar, ensinando a respeitar os mais velhos, a ser honesto e procurar se desenvolver na vida”, recordou.
“Nós somos oriundos do Morro do Salgueiro, família humilde, ele e minha mãe trabalhavam muito para dar o sustento à família e procurar dar condições de estudos para a gente. Ele sempre trabalhou muito em trabalho de carteira assinada e mais em escola de samba. A vida dele foi essa. Dedicação constante ao samba e, com isso, tentando educar a gente da melhor maneira possível”.
No desfile deste ano da Beija-Flor, Luiz Cláudio foi o mestre de cerimônias, pessoa responsável por conduzir a harmonia do casal de mestre-sala (Claudinho) e porta-bandeira (Selminha Sorriso).
Segundo ele, foi com o pai que aprendeu os caminhos para garantir um bom desempenho no quesito harmonia. “Meu envolvimento no carnaval, não foi cedo não, porque no início ele era meio contra a gente estar envolvido com o carnaval. Com o tempo, há 19 anos, comecei a entrar no barracão, onde comecei a ter uma paixão maior, fui fazendo estudos”, disse.
Para o filho de Laíla, a passagem do tempo foi boa para o tipo de função que exerce na escola de Nilópolis. Ele recorda que, antes, para garantir a harmonia da escola na avenida, era preciso fazer comunicação boca a boca. Então surgiram os rádios de transmissão e, hoje, há um sistema de comunicação direta com os diversos integrantes do setor de harmonia ao longo do percurso da agremiação.
“Quando começou a existir rádios, alguns não eram de boa frequência e você tinha que ter disposição e conhecimento para passar a informação no tempo certo. Com o tempo, foi assumindo mais a harmonia e, em 2015, passei a ser o diretor-chefe da comissão de harmonia, me tornando campeão do carnaval em 2015 e 2018, na mesma função”, lembrou.
Cobrança
A cobrança que o pai havia uma explicação. “Ele tinha na cabeça que tinha que ganhar. Era a perfeição. Me cobrava igual a outro componente da escola. Não tinha diferença de ser filho, mas era cobrado de um jeito educado, como ele cobrava informações das outras pessoas, não era gritado. Só gritava dentro dos ensaios que eram de 2 mil pessoas dentro da quadra, no qual tinha bateria, som. Ele ensinava através de cobrança. Não dava aula em quadro-negro não, a aula dele era na prática. Quem observava o que ele fazia ia se desenvolvendo com o tempo”, explicou.
Social
Para Luiz Cláudio, a fama de durão, que costuma ser associada a Laíla, não tinha a ver com o comportamento do pai. “Essa fama de durão dele, era só fama de uma pessoa que tinha como objetivo realizar grandes trabalhos, ser campeão do carnaval. No fundo, era uma pessoa que se preocupava com o social demais. Ele cuidava de cada componente da escola, procurando saber se tinha ou não problema familiar, sempre preocupado com as crianças. Essa reflexão, esse sentido que ele fazia no social, se refletiu agora no carnaval do 2025, no qual ele não estava presente fisicamente, mas estava espiritualmente. Os componentes da escola abraçaram de uma maneira tão grande, que toda hora falavam: ‘ele está aqui com a gente. Isso é para ele, é por ele', porque sabiam o que ele fez por eles, o que ele lutou por eles. A relação dele com a comunidade não é só de campeonato. É uma relação social”, afirmou.
Luiz Cláudio disse que a importância de Laíla não se restringe ao carnaval do Rio de Janeiro e à Beija-Flor. “Ele é importante para o carnaval inteiro. Ele trabalhava para descobrir novos talentos. Ele dava oportunidades. Ele projetou pessoas. Trouxe Neguinho [da Beija-Flor], trouxe Selminha, revolucionou colocando Selminha e Claudinho [porta-bandeira e mestre-sala] à frente da escola, revolucionou no canto e muitas coisas mais fazendo junção de samba enredo. Em outras escolas de samba era chamado para dar opiniões de samba. Era produtor do disco e não via diferença nenhuma entre uma escola e outra, trabalhava em prol do carnaval e não em prol de só uma escola”, pontuou.
No dia do desfile, sabendo que o homenageado no enredo era seu pai, foi difícil equilibrar a emoção e realizar a sua função junto ao casal de mestre-sala e porta-bandeira. “Desfilar sabendo que o enredo era ele foi emoção pura. Emoção que você tem que saber. Primeiro que fiz uma função de conduzir Selminha e Claudinho e a harmonia do setor, tem que ter frieza, porque você tem o seu pai sendo homenageado e você tem um trabalho a realizar, mas dentro de mim a emoção era pura e vendo um grande trabalho sendo realizado em que a escola correspondeu plenamente, a sua comunidade respondeu plenamente. Não tem nem palavras específicas para dizer. A gente sentia que ele estava ali com a gente. Na verdade, ele conduziu esse desfile da Beija-Flor”, completou.
“Quando entrei no desfile, entrei vendo o meu pai. Eu conheci Luiz Fernando Ribeiro do Carmo que se transformou em Laíla, um pai aguerrido que fez tudo que podia pela gente e aí tem o Laíla com quem eu trabalhei, que me cobrava, mas cobrava pelo bem e se tornou uma coisa só”, contou.
Agradecimento
A porta-bandeira Selminha Sorriso, disse que Laíla a levou para a Beija-Flor junto com Claudinho, seu mestre-sala. Por isso, neste carnaval, se prepararam para “orgulhá-lo no plano espiritual e em tudo que o mestre nos ensinou”.
Selminha ainda lembra das orientações que recebeu de Laíla. Reclamações que ficaram na memória e que foram importantes para o seu desenvolvimento como porta-bandeira. “Também levei puxões de orelha, também levei broncas, mas os ensinamentos, o aprendizado que ele nos deixou, falo em meu nome e no de Claudinho, são imensuráveis”, salientou.
A porta-bandeira número um da Beija-Flor fala com muito carinho e respeito pelo trabalho de Laíla, durante o período em que ele esteve no comando do carnaval da escola. “Falo sempre que sou escola de mestre Laíla, essa escola não é imitando mestre Laíla, é simplesmente, sendo uma mulher mais forte, entendendo o tamanho da responsabilidade, o que é construir um desfile de escola de samba”, afirmou.
É assim que Selminha reconhece todo o trabalho do carnavalesco na construção de sua formação porta-bandeira. “A soma do tudo é sempre maior que das partes, trabalhar em equipes, ser forte diante de qualquer dificuldade, não esmorecer, acreditar nos sonhos, buscar força onde você nem sabe que tem. Isso é escola de mestre Laíla, meu sentimento é de gratidão, muita gratidão mesmo, porque se hoje eu estou neste espaço que ocupo, com certeza, muito tem do mestre Laíla nas nossas vidas”, disse.
Selminha reconheceu que Laíla não era uma pessoa fácil, mas, ponderou que também não chegava a ser uma pessoa difícil. “Era você entender que toda a postura dele, às vezes com certo excesso, na maioria das vezes, se fazia necessário. Era um homem que tinha um olhar muito crítico, ouvido apurado, coração gigante. A fala nem sempre vinha com mel. Agora, é como você quer entender, como quer se comportar”, concluiu.
O carnavalesco João Vítor Araújo, autor do enredo deste ano, disse que o título da Beija-Flor trouxe também o reconhecimento da importância de Laíla, que no fim da década de 1960, trabalhava com a turma de carnavalescos, como Fernando Pamplona, Maria Augusta, Rosa Magalhães, Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta, Viriato, mas não tinha visibilidade.
“Graças a Deus, graças ao Sagrado, a Beija-Flor de Nilópolis conseguiu o título tão sonhado, que há sete anos não vinha. O título foi para a Baixada Fluminense, a comunidade está muito feliz e a justiça foi feita. A justiça a esse artista, diretor, compositor, cantor, produtor, diretor de carnaval, diretor de harmonia, esse cara múltiplo, que era o Laíla. A Justiça foi feita, o sambista venceu, o homem preto nascido e criado no Morro do Salgueiro, sem formação acadêmica, que ainda assim, conhecia de tudo um pouco, na verdade, não, ele conhecia de tudo muito, porque senão, não seria o Laíla. Ele venceu. O morro venceu, o preto favelado venceu”, comemorou.
Para João Vitor, essa é a melhor resposta que a Beija-Flor de Nilópolis podia dar “para a sociedade racista, preconceituosa, para aqueles que duvidaram que o Laíla daria enredo, para aqueles que duvidaram que ele não teria história para ser contada e desenvolvida. A resposta está aí com esse título, a resposta está aí com enredo nota 10 e a resposta está aí, porque é a valorização de uma pessoa que viveu e morreu trabalhando, fazendo carnaval, e mais uma vítima da covid 19, em uma época em que a vacina era negligenciada aqui no Brasil”, afirmou.
O carnavalesco disse que o desfile teve tanta identidade com o homenageado que foi possível senti-lo presente na avenida. “O espírito do Laíla, tenho certeza, que ele se fez presente na avenida, eu senti, a comunidade sentiu, os componentes sentiram, por isso, a escola veio com aquela garra, por isso que a escola emocionou. Eu digo, que daqui há dez anos, 20 anos, o público há de se lembrar desse desfile histórico da Beija-Flor de Nilópolis. É muito bonito ver Laíla, o sambista, o preto favelado vencendo na Marquês de Sapucaí e que sirva de exemplo e lição, que valorizar o que é nosso, valorizar aquele que faz pelo nosso carnaval é maravilhoso, é gratificante. É a valorização do nosso chão e das nossas raízes”, concluiu.
COMENTÁRIOS