Turismo de guerra atrai viajantes à Ucrânia e levanta questões morais
Apesar de governos de países como Canadá e França desaconselharem as viagens à Ucrânia, o país atrai turistas ocidentais buscando o turismo de guerra. No entanto, essa nova maneira mórbida de visitar a região levanta questões morais. Rússia bombardeia Kiev com mísseis e drones
Antes do conflito e da invasão russa, a Ucrânia era procurada por turistas em busca de novos destinos na Europa. O dinamismo de Kiev, os cassinos, lojas de luxo e edifícios históricos e religiosos da capital também atraíam os visitantes, assim como as praias, florestas e montanhas do país. Atualmente, a Ucrânia desperta o interesse de outro tipo de viajantes, seduzidos pelo chamado “turismo de guerra”.
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O site de turismo Visit Ukraine afirma que embora a lei marcial esteja em vigor no país e o tráfego aéreo suspenso, os estrangeiros ainda podem entrar e sair da Ucrânia por terra, seguindo algumas regras. Entre elas, ter um passaporte válido, em alguns casos um visto e um bom seguro de saúde que inclua cobertura para riscos militares.
Uma vez no país, o site lembra que é necessário respeitar o toque de recolher, ficar atento aos alarmes de ataques aéreos, andar sempre com um documento de identidade e evitar lugares muito cheios e multidões.
As instruções parecem de uma viagem até certo ponto normal, se não fosse pelo fato de o país estar em guerra há quase três anos. Além do custo humano e material, o conflito atingiu duramente o setor turístico. Publicado em meados deste ano, um estudo da Unesco estimou o custo dos danos à cultura e ao turismo no país em US$ 3,5 bilhões.
Para sobreviver, as agências locais oferecem passeios chamados Donation Tours, que acompanham missões humanitárias para localidades destruídas pela guerra. Parte da renda do passeio é convertida em ajuda para organizações humanitárias e para o país.
Visit Ukraine, por exemplo, fundado em 2018, se dedicava à promoção e popularização do turismo ucraniano no mercado interno e externo, mas depois da guerra, teve que rever suas atividades.
No site, um pacote de dois dias de visita a Mykolaiv, cidade do sul do país que foi palco de bombardeios russos e apagões constantes, custa € 1.871 (R$ 11.880). O passeio de dois dias inclui pontos de distribuição humanitária e um tour pela cidade. Tudo acompanhado por um guia local e um intérprete.
Como toda viagem turística também estão incluídas compras de lembranças, jantares nos restaurantes locais e sessão de fotos. Visitas do mesmo tipo também existem para a região de Kherson.
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Visita 'com respeito'
Bombeiros trabalham em local de ataque russo em Kharkiv, na Ucrânia, em 10 de maio
Vyacheslav Madiyevskyy/Reuters
O espanhol Alberto Blasco Ventas, de 23 anos, é um destes turistas em busca de emoções fortes.
"É minha primeira vez numa zona de guerra", afirma, emocionado, o engenheiro espanhol. "Estou com um pouco de medo, não vou mentir, numa zona de guerra nunca se sabe."
Para chegar à Ucrânia, Blasco primeiro superou a relutância da sua família e amigos. Voou para a Moldávia e depois fez uma viagem de trem de 18 horas.
Após visitar a ponte de Irpin, destruída na guerra e depois reconstruída, passou por um cemitério de veículos queimados em Borodianka, uma cidade devastada no início da invasão russa.
O espanhol, que se considera um "influencer", gravou cada etapa da viagem, que pretende publicar no seu canal no YouTube, que tem 115.000 assinantes. O "hospital psiquiátrico mais horrível" dos Estados Unidos e a "fronteira mais perigosa" do mundo, entre China, Rússia e Coreia do Norte são algumas das reportagens realizadas por ele e publicadas no seu canal.
Para as pessoas que consideram a viagem algo mórbido ou imoral, Blasco responde que faz a visita "com respeito".
Excursões à linha de frente
Bombeiros combatem fogo após ataque russo em área residencial de Kharkiv, na Ucrânia
Yevhen Titov/Associated Press
As excursões geralmente se concentram em Kiev e nos subúrbios devastados pelos soldados russos no início de 2022. Mas algumas se aproximam do front, incluindo uma visita de vários dias ao sul da Ucrânia por € 3.300 (R$ 20.942).
O americano Nick Tan, que trabalha numa empresa de tecnologia em Nova York, visitou áreas distantes de Kiev. Em julho, ele viajou até Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, alvo de bombardeios constantes das forças russas, posicionadas a cerca de 20 km de distância.
"Eu queria ver porque considero que as nossas vidas no Ocidente são muito confortáveis e fáceis", disse Tan, de 34 anos.
Ele conta que desejava se aproximar ainda mais da linha de frente, mas o guia turístico se negou.
O autodenominado caçador de emoções diz que já praticou paraquedismo e faz aulas de boxe, além de frequentar festas de música eletrônica.
"Saltar de um avião, festejar à noite e dar socos na cara das pessoas não era mais suficiente. Qual era a próxima opção? Ir para uma zona de guerra", disse.
'Dinheiro manchado de sangue'
Pessoas observam obra de Tvboy na parede da casa da cultura de Irpin, perto de Kiev, na Ucrânia: com o dedo em riste, uma menina com um urso de pelúcia na mão, vestida com as cores da bandeira ucraniana, fala com um soldado armado
Valentyn Ogirenko/Reuters
O interesse dos turistas surpreende alguns moradores de Irpin, que vivem sob ameaça constante de ataques aéreos russos.
Mikhailina Skorik-Shkarivska, vereadora de Irpin e ex-vice-presidente de Bucha, palco de um dos piores massacres de civis da guerra, diz que a maioria dos moradores não se importa com este "turismo sombrio", mas alguns consideram que a renda gerada por ele é um “dinheiro manchado de sangue".
"Por que eles estão aqui? Por que querem ver a nossa dor?'", disse a vereadora sobre as reações de alguns moradores.
Mariana Oleskiv, diretora da Agência Nacional de Desenvolvimento Turístico, admite que o turismo de guerra levanta muitas questões éticas, mas afirma que o mercado pode crescer.
No ano passado, o país registrou quatro milhões de visitantes estrangeiros, segundo Oleskiv, o dobro de 2022, embora sejam principalmente visitas de negócios.
A Ucrânia prepara-se para o pós-guerra e já assinou acordos com as empresas Airbnb e TripAdvisor. "A guerra chamou a atenção para a Ucrânia, então temos uma marca mais forte. Todos conhecem o nosso país", disse Oleskiv.
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